quarta-feira, julho 08, 2009

Jeito de escrever

Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.
.
Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.
.
Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!
.
Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.
Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago...
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das horas.
Mortas!
.
E por mais não ter que relatar me cerro.
Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro!
.
Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,
solta a outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera...
Ó ilusão!
E tudo acabou, acaba.
Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?
.
Silêncio.
Nem pássaros já, noite morta.
Me cerro.
Ó minha derradeira composição! Do não, do nem, do nada, da ausência e
solidão.
.
Da indiferença.
Quero eu que o seja! da indiferença ilimitada.
Noite vasta e contínua, caminha, caminha.
Alonga-te.
A ribeira acordou.

Irene Lisboa

8 comentários:

Fernanda disse...

Um poema tão bonito...
Escrever,...talvez seja a única coisa que nos preenche quando "não" sabemos o que dizer quando "não" sabemos o que pensar...e escrevemos,...escrevemos...e acabamos assim por nos cerrar...
Ficam as palavras...

"Como é bonito escrever!
Com este longo aparo, bonitas
as letras e o gesto - o jeito.
Ao acaso, sem âncora, vago no
tempo.No tempo vago..."

Um abraço sem mar

António Conceição disse...

Que poema tão miserável!
É praticamente impossível escrever pior.

Susana Garcia Ferreira disse...

É bonito o poema,e é verdade é muito bom escrever,gostei muito da foto,penso que com esse aparo dá muito gosto escrever e deitar cá para fora no papel as palavras que queremos.
gostei.beijinhos

Nuno disse...

Querida Su,

Sem dúvida, o Xanax continua a ser, para mim, um dos mais belos bloggs da bloggosgera. Umas fotos sempre impressionantes com uns textos sensacionalmente bem escolhidos.
Outra coisa não seria de esperar de ti.

Beijos,
Nuno

Su disse...

fer; funes (ok estás perdoado, sei q dormes mal:)); susana garcia; nuno............

jocas maradas per tutti

simplesmenteeu disse...

...Talvez porque a noite é comprida e as sombras entornam o silêncio...

Aliso o papel e olho o brilho elegante e provocador do aparo...
Basta que os meus dedos o segurem e o pensamento o faça voar!

"Uma mão que agarra, a outra que espera..."
Uma mão que é desejo, a outra que é desalento.
Um ouvido escuta o canto dos pássaros, o outro perde-se no choro silenciado.

"E a quem o dizer?"
A quem falar do que está para além do instante breve? A quem falar do invisível?

Abraço forte e carinhoso

Isaura Pereira disse...

Gosto muito deste poema :-)

E escrever é sem dúvida uma forma de libertar o que temos cá dentro e não saí doutra forma .

Beijocas

Porcelain disse...

Onde consegues os excertos que aqui colocas? :) Que excelentes escolhas, quer no que aos excertos diz respeito, quer em relação às imagens... :)

Para quê buscar as coisas novas... se nada nunca é verdadeiramente novo? Se tudo nesta Terra é tão antigo, tão anterior a nós... se tudo o que muda e pode mudar é a forma como olhamos para elas... essa sim traz consigo a verdadeira novidade...

Beijinhos!