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quarta-feira, maio 12, 2010

O que é essa saudade?

O que é essa saudade?
O que significa essa tão estonteante saudade
Que invade
Perfura
Torna os dias absurdos
As noites imensas
E a vida com cara de teatro de fantoches?
O que vem me falar a cada instante essa saudade
Nas teias que constrói em tons dissonantes
Dentro desses becos onde a saída é não sair?
Por que essa saudade tão senhora majestade
Coroando meus olhos atônitos
Calando meus gestos
Tornando-me bicho acuado
Um pedaço de existência
Vinho entornado?
Que mensagens estão nessa saudade
Que nunca promovem uma decente aceitação minha
Nunca trazem o sono passivo
E sempre me devolvem esse atormentado despertar?
O que me diz essa saudade além do emblema choro
Além de uma lágrima já partida de tão seca
Além de um suspiro que nunca respira?
Sou por ti apenas a saudade.
Sou por mim essa palavra: saudade
E não sou nada
enquanto escureço nesse mistério
(desconheço o autor)

sábado, setembro 19, 2009

sem me largar

foto de Rogério Ribeiro
Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.
.
E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!
-
Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!
-
E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!


Florbela Espanca

terça-feira, setembro 08, 2009

Languidez

foto de Graça Loureiro

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,

Que poisam sobre duas violetas,

Asas leves cansadas de voar...

E a minha boca tem uns beijos mudos...

E as minhas mãos, uns pálidos veludos,

Traçam gestos de sonho pelo ar...

F.E.

quinta-feira, agosto 20, 2009

O SORRISO

foto de Christopher Gilbert
"Creio que foi o sorriso,
sorriso foi quem abriu a porta
.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso
.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso."

Eugénio de Andrade

terça-feira, julho 28, 2009

Reconhecimento à Loucura

foto de christophe gilbert
Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-Ihe, e ganhar-Ihe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?
Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar
-
José de Almada Negreiros

quarta-feira, julho 15, 2009

A palavra

foto de António de Bastos
A palavra é uma estátua submersa, um leopardo
que estremece em escuros bosques, uma anémona
sobre uma cabeleira. Por vezes é uma estrela
que projecta a sua sombra sobre um torso.
Ei-la sem destino no clamor da noite,
cega e nua, mas vibrante de desejo
como uma magnólia molhada. Rápida é a boca
que apenas aflora os raios de uma outra luz.
Toco-lhe os subtis tornozelos, os cabelos ardentes
e vejo uma água límpida numa concha marinha.
É sempre um corpo amante e fugidio
que canta num mar musical o sangue das vogais.

António Ramos Rosa

quinta-feira, julho 09, 2009

lua

foto de sergio boeira

Se for possível, manda-me dizer:
- É lua cheia.
A casa está vazia
– Manda-me dizer, e o paraíso
Há de ficar mais perto, e mais recente
Me há de parecer teu rosto incerto.
Manda-me buscar se tens o dia
Tão longo como a noite.
Se é verdade
Que sem mim só vês monotonia.
E se te lembras do brilho das marés
De alguns peixes rosados
Numas águas
E dos meus pés molhados, manda-me dizer:
- é lua nova – e revestida de luz te volto a ver.”
Hilda Hilst

quarta-feira, julho 08, 2009

Jeito de escrever

Não sei que diga.
E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.
.
Nem de mim, nem dos outros.
Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.
.
Oiço os ralos queixosos, arrastados.
Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!
.
Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.
Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago...
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das horas.
Mortas!
.
E por mais não ter que relatar me cerro.
Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro!
.
Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,
solta a outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera...
Ó ilusão!
E tudo acabou, acaba.
Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?
.
Silêncio.
Nem pássaros já, noite morta.
Me cerro.
Ó minha derradeira composição! Do não, do nem, do nada, da ausência e
solidão.
.
Da indiferença.
Quero eu que o seja! da indiferença ilimitada.
Noite vasta e contínua, caminha, caminha.
Alonga-te.
A ribeira acordou.

Irene Lisboa

sábado, junho 20, 2009

Saudei o Sol

foto de RAPHAEL o pensativo

"É talvez o último dia da minha vida.


Saudei o Sol, levantando a mão direita,


Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,


Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada."


Alberto Caeiro

domingo, junho 07, 2009

Invento-me


foto de bruno silva

Invento-me neste desejo de te abraçar...

Invento-me hera, planta trepadeira,
agarro minhas gavinhas,
minhas expansões, com força,
em tuas estacas, para me poder à terra fixar...

Invento-me abelha, insecto,
Apenas para invadir a tua flor,
Que nasceu de meu desejo,

Para em teu mel, esse néctar,
a minha sede eu poder saciar ....

Invento-me leoa perdida de seu cio,
À procura de um trilho, um sinal, rasto teu,
Para que na floresta da vida,
Eu te possa encontrar...

Invento-me vento , Nortada, brisa, aragem,
Para de forma empolgada,
Agitar teu rio, ondular teu mar...

Invento-me, nestas todas metamorfoses
de ser eu própria, que trago silenciadas no meu espírito,
E ensaio-me assim, neste ser,
Nestas mil formas adoptadas,
Só porque te encontro ao inventar-me,
Mas porque te invento somente a ti!

Beatriz Barroso

quarta-feira, junho 03, 2009

A palavra

foto de Maria Dias
Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.
Carlos Drummond de Andrade

O DOM DA POESIA


Deixa a palavra escorregar,

Como um jardim o âmbar e a cidra,

Magnânimo e distraído,

Devagar, devagar, devagar.

Boris Pasternak (1890-1960)

terça-feira, junho 02, 2009

por tudo

Por tudo o que me deste / inquietação cuidado / um pouco de ternura / é certo mas tão pouca / Noites de insónia / Pelas ruas como louca / Obrigada, obrigada / Por aquela tão doce / e tão breve ilusão / Embora nunca mais / Depois de que a vi desfeita / Eu volte a ser quem fui / Sem ironia aceita / A minha gratidão / Que bem que me faz agora / o mal que me fizeste / Mais forte e mais serena / E livre e descuidada / Sem ironia amor obrigada / Obrigada por tudo o que me deste / Por aquela tão doce / e tão breve ilusão / Embora nunca mais / Depois de que a vi desfeita / Eu volte a ser quem fui / Sem ironia aceita / A minha gratidão
F Espanca

quinta-feira, maio 14, 2009

Sim, farei ...

foto de Marcos Sobral

Sim, farei ..., e hora a hora passa o dia ...
Farei, e dia a dia passa o mês ...
E eu, cheio sempre só do que faria.
Vejo que o que faria se não fez,
De mim, mesmo em inútil nostalgia.

Farei, farei ... anos os meses são
Quando são muito – anos, toda a vida,
Tudo ... e sempre a mesma sensação
Que qualquer coisa há-de ser conseguida
E sempre quieto o pé e inerte a mão ...

Farei, farei, farei, ... sim, qualquer hora
Talvez me traga o esforço e a vitória,
Mas será só se nos trouxer de fora.
Quis tudo – a paz, a ilusão, a gloria ...
Que obscuro absurdo na minha Alma
chora?
(FP)

quinta-feira, abril 30, 2009

Ninguém me diga ...........................

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga:"vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
-Sei que não vou por aí!

Excerto do "Cântico Negro" - José Régio

quinta-feira, agosto 21, 2008

POEMINHA DO CONTRA

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

domingo, agosto 03, 2008

INSCRIÇÃO SOBRE AS ONDAS

foto de Alba Luna
Mal fora iniciada a secreta viagem
um deus me segredou que eu não iria só.
Por isso
a cada vulto os sentidos reagem,
supondo ser a luz que deus me segredou.

David Mourão-Ferreira, in "A Secreta Viagem"

Por quê?

foto de sweetcharade

Por que nascemos para amar, se vamos morrer?
Por que morrer, se amamos?
Por que falta sentido
ao sentido de viver, amar, morrer?
Carlos Drummond de Andrade

domingo, junho 01, 2008

E toda a noite a chuva veio

foto de António de Bastos
E toda a noite não parou,
E toda a noite o meu anseio
No som da chuva triste e cheio
Sem repousar se demorou.

E toda a noite ouvi o vento
Por sobre a chuva irreal soprar
E toda a noite o pensamento
Não me deixou um só momento
Como uma maldição do ar.
E toda a noite não dormida
Ouvi bater meu coração
Na garganta da minha vida. fpessoa,

quarta-feira, maio 21, 2008

Em face dos últimos acontecimentos

Sara Sa
Oh! sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
que o nosso avô português?

Oh! sejamos navegantes,
bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.

A tarde pode ser triste
e as mulheres podem doer
como dói um soco no olho

(pornográficos, pornográficos).

Teus amigos estão sorrindo
de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
que o melhor é ser pornográfico
.

Propõe isso ao teu vizinho,
ao condutor do teu bonde,
a todas as criaturas
que são inúteis e existem,

propõe ao homem de óculos
e à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos
?

Carlos Drummond de Andrade