
Cálice "Chico Buarque & Milton Nascimento"
Pai
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Pai
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite e me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silencio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
Pai
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil Pai abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito resta a cuca
dos bêbados do centro da cidade
Pai
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Talvez o mundo não seja pequeno
Não seja vivo um facto consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
Cálice