terça-feira, abril 06, 2010

A lucidez perigosa

foto de Luís Cristino
Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
Assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.

Além do que: que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
– já me aconteceu antes.

Pois sei que
– em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama,
Deus, porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

Clarice Lispector

3 comentários:

António Conceição disse...

Clarice Lispector é, definitivamente,uma escritora menor. Como se nota por esta amostra.

Su disse...

funes.....só para contrariar:) merci

wind disse...

Logo...existo:)
Beijos